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O suicídio: interlúdios entre sociologia e psicologia

Foto do escritor: Verônica ReisVerônica Reis

No último dia 10 de setembro foi observado o dia mundial de prevenção ao suicídio. Aqui no Brasil, desde 2015 se observa durante todo esse mês a tentativa de chamar atenção à seriedade do tema através da chamada ‘setembro amarelo’.


As campanhas de valorização da vida são bastante importantes para jogar luz e menos estigma a uma temática tão cara. O suicídio é um tabu tão significativo que inspirou um dos grandes estudos fundadores da sociologia em 1897.


Sim, você leu certo.


Uma das primeiras ciências sociais a trazer o suicídio à tona para além das interpretações religiosas foi a então recém fundada sociologia com o estudo pioneiro de um de seus fundadores o francês Émile Durkheim.


Para ele, lá no final do século XIX, o suicídio era em linhas gerais possível de ser observado como um fato social e não necessariamente como um ato exclusivamente individual. Bem resumidamente (mesmo) falando, o suicídio poderia ser considerado como uma expressão do desequilíbrio de duas forças: a integração social e a regulação moral. Daí poderiam existir quatro tipos de suicídio (Harriford & Thomson, 2008: 163-167):


Egoísta - refletindo um sentimento prolongado de não pertencimento, de não estar integrado a uma comunidade. A falta de laços sociais poderia dar origem à falta de sentido, apatia, melancolia e depressão.


Altruísta - caracterizado por uma sensação de ser sobrecarregado pelos objetivos e crenças de um grupo. Ocorreria em sociedades com alta integração, nas quais as necessidades individuais são vistas como menos importantes do que as necessidades da sociedade como um todo.


Anômico - refletindo a confusão moral do indivíduo e a falta de direção social, que advém de dramáticas turbulências sociais e econômicas. Seria o produto da desregulamentação moral e da indefinição das aspirações legítimas por meio de uma ética social restritiva, que poderia impor sentido e ordem à consciência individual. (O conceito de anomia pode ser rudimentarmente traduzido como ausência de normas)


Fatalista - quando uma pessoa é excessivamente regulada, quando seu futuro é impiedosamente bloqueado e seus interesses violentamente sufocados por uma disciplina opressora.


Olhando apenas para esse estudo do início da sociologia é um enigma como para muitas pessoas o suicídio continua sendo apenas o resultado da fraqueza ou egoísmo de quem o comete. Esse breve interlúdio sociológico também foi feito para demonstrar que a depressão não é a única causa do suicídio. O suicídio é um evento com causas multifatoriais, contudo, hoje já sabemos que quase a totalidade dos suicídios que ocorrem no mundo decorrem de transtornos mentais. Sendo assim, o suicídio, para além de uma questão de saúde séria, é também o desfecho mais grave dos casos psiquiátricos e do sofrimento psíquico.


Houve aumento dos índices de suicídio na pandemia?


Por enquanto só temos no Brasil os dados consolidados do ano de 2018, mas os dados preliminares do ministério da saúde de 2019 e 2020 não indicam aumento indicam aumento de suicídio em jovens. Dados mais completos só serão possíveis após compilação e apuração possivelmente em 2021 ou 2022.


Como é o atendimento psicológico da pessoa em pensamento suicida?


Na clínica, o direcionamento do psicólogo é acreditar que qualquer paciente é um potencial suicida e a melhor estratégia é, de fato, perguntar. Sensivelmente, o profissional de saúde mental não vai com o pé na porta, mas vai conduzindo a entrevista com tato. A entrevista psicológica não é marcar xis em uma tabela, mas procurar entender e ver qual a melhor forma de acolher a quem está confiando no profissional.


Apesar de ser tratado como um grande tabu, o suicídio é um tema difícil como qualquer outro em saúde mental, como uso de substâncias ou sexualidade. É compreensível as pessoas terem vergonha muitas vezes. Daí prestar atenção em comportamentos de planejamento e ideação do ato é importante. Não se trata de preencher escalas, mas de acolher e prestar um bom atendimento ao indivíduo.


Afinal, qualquer pessoa já pode ter pensado na própria morte e algumas em se matar, mas muito pouca gente faz tentativas. É um evento raro, mas muito grave já que dele pode não haver retorno. Por isso, o psicólogo e o psiquiatra vão explorar a existência de fatores de risco durante a conversa com o paciente. Assim, perguntas como ‘você acha que morrer resolveria seu problema?’ podem aparecer.


Em quais casos cabe a internação?


Em casos graves como quando a pessoa diz claramente que vai se matar e/ou a tentativa é grave. Isto é, quando há muita intenção, cognição distorcida com ideação grave e planejamento. Alguns profissionais aderem a firma de contrato de não-suicídio, porém isto pode não ser eficiente se a pessoa tem traços de personalidade impulsiva e encontra meios, oportunidade e motivo.


Por ser um evento multifatorial, nenhum fator de risco sozinho é chave. Mesmo assim, transtornos psiquiátricos preexistentes, gênero masculino, perdas recentes, traço de personalidade impulsiva ou agressiva, disponibilidade de meios para o ato, histórico familiar de suicídio, desesperança, intoxicação por álcool ou drogas se apresentam como fatores de risco aumentado (Saffi et al, 2011).


Curiosamente a depressão não é um dos fatores que mais aumentam a possibilidade de alguém se matar, mas como é uma doença com muita prevalência as pessoas deprimidas passam mais ao ato. Nessa nota, verifica-se que a tentativa de suicídio anterior é o fator mais importante para uma próxima tentativa.


Outra confusão que aparece é sobre comportamento de automutilação. Ele não necessariamente diz de intenção suicida pois há de se olhar para a intencionalidade do ato. Nos mais jovens há ambivalência como flutuações de humor que podem ser próprios a essa fase da vida (o que não justifica automutilação), mesmo assim perceber mudanças de comportamento expressivas acende alguns sinais de alerta. Por isso, é importante observar o comportamento juntamente com o conteúdo da fala e dos pensamentos. Pensar ‘eu quero morrer’ não é inerente ao ser humano, no geral o ser humano tem medo da morte.


Há como diferenciar ‘chantagem’ de ideação?


Ainda que seja prudente e altamente recomendado que suspeitas de ideação e verbalização suicida sejam acompanhadas e amplamente avaliadas por profissionais de saúde mental, a chantagem geralmente como ameaça sempre na mesma situação. Não se engane, uma pessoa com traços de personalidade impulsiva pode verdadeiramente passar ao ato depois de um desentendimento.


A pessoa com ideação suicida tem noção de que se o fizer vai deixar de existir, por isso é necessário conhecer bem a pessoa para de fato entender onde se quer chegar com frases como ‘não consigo encontrar sentido na minha vida’.


Em qualquer dos casos, não se brinca com risco de suicídio. Não deixe de procurar um profissional de saúde mental. Ele pode te auxiliar a criar ou melhorar seu repertório comportamental o que é capaz de ajudar a tornar seu sofrimento menos intenso.


Caso esteja muito difícil, ligue para 188 e converse com um profissional do centro de valorização da vida a qualquer hora. Procurar ajuda é saudável.


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Leituras Sugeridas:

Harriford, Diane Sue; Thomson, Becky W. (2008). When the Center is on Fire : Passionate Social Theory for Our Times. Austin: University of Texas Press. ISBN 978-0-292-71775-6


Ministério da Saúde. (2020). DATASUS. Disponível em <https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/>


Saffi, Fabiana; Abreu, Paulo R.; Lotufo Neto, Francisco. (2011). Terapia cognitivo-comportamental dos transtornos afetivos. In Rangé, B. (Ed.), Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais. Um Diálogo com a Psiquiatria (2a ed., pp. 369–408). Artmed.


Teixeira, Ricardo Rodrigues. (2002). Três fórmulas para compreender “O suicídio” de Durkheim. Interface (Botucatu) [online]. vol.6, n.11, pp.143-152. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832002000200021



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