O processo de luto e perdas
- Verônica Reis
- 12 de set. de 2020
- 5 min de leitura
Durante minha graduação em psicologia, o luto não foi um tema abordado com grande evidência. Contudo, dentro da prática clínica ele é sem dúvida um dos que aparecem com maior frequência. Isto se dá muito possivelmente porque ao longo da vida passamos por muitos processos de luto que não são reconhecidos pela sociedade, como por exemplo um divórcio, a perda de um emprego ou de um bicho de estimação.
Alguns autores dirão que, na ocasião de uma morte, o enlutado vai fazer o movimento de buscar o objeto de amor perdido e que muitas vezes a paciência do suporte social com o enlutado é menor do que a dor que ele sente (de Lanna, 2020/ notas de aula). E isto pode ser altamente invalidante e capaz de causar ruídos nas relações entre as partes.
Leituras mais clássicas sobre este tema incluem a teoria da vinculação de Bowlby (Silva & Ferreira-Alves, 2012) na qual o processo de luto se dá através de quatro fases: fase de entorpecimento, fase de saudade e de procura da pessoa falecida, fase de desorganização e desespero e fase de reorganização. E também as etapas do luto de Kubler-Ross (Silva & Ferreira-Alves, 2012) que compõe os estágios de negação, raiva, negociação, depressão e aceitação que atribuem um papel ativo ao indivíduo no ciclo do enlutamento até sua resolução.
Uma das teorias mais recentes e que propõe um olhar bastante interessante sobre esse tema é a teoria do processo dual de lidar com o luto de Stroebe e Schut (2007 apud Silva & Ferreira-Alves, 2012). Para pensar nessa abordagem podemos imaginar a pessoa que passa pelo luto como um equilibrista numa corda bamba que mantém seu equilíbrio gerenciando dois bastões: em uma mão, a abertura experiencial e, em outra, a evitação experiencial.
Na abertura falamos da disponibilidade experiencial no processo de luto que surge como raiva, culpa, entorpecimento, comportamentos de não querer se cuidar ou insônia, por exemplo. Já na evitação experiencial há um desligamento da experiência com distrações ou com medicações para não entrar em contato com os eventos aversivos internos. Veja esta ilustração:

Figura 1- Processo Dual de Lidar com o Luto (Hansson & Stroebe, 2007 apud Silva & Ferreira-Alves, 2012: 590)
Na clínica, o trabalho do terapeuta vai no sentido de ajudar o cliente a observar como ele está processando seu luto. Ou seja, como equilibra os bastões para não cair da corda e isso pode se dar na tomada de consciência da esquiva dos sentimentos e no acolhimento disto como uma forma legitima de lidar com o luto.
Assim, como promover aceitação de uma perda traumática sem invalidar a experiência de dor do outro?
Somos educados a intervir, queremos falar ou agir no sentido de solucionar o desconforto. Paradoxalmente, isso pode invalidar a experiência da pessoa. Às vezes basta ficar perto ou mandar mensagens como ‘lamento seu sofrimento e qualquer coisa estou aqui’. Geralmente falas na ordem do ‘vai passar’ ou ‘não fica assim’ podem ser bem invalidantes. Vale notar que estar presente e respeitar, não necessariamente significa ter que intervir.
O luto é de elaboração individual cada um entrará em contato com o que faz sentido para si. Isto pode incluir colocar uma música que lembre a pessoa ou escrever sobre a experiência, por exemplo. Dentro da nossa cultura é bastante comum que os lutos venham acompanhados de rituais, os quais em tempos de pandemia sofreram modificações significativas. Já que não podemos ter rituais presenciais podemos realiza-los à distância, fazendo uma prece, dizendo algumas palavras de despedida diante da foto da pessoa ou mesmo se reunindo online com a família e amigos para compartilhar memórias significativas sobre quem partiu.
Como manejar os lutos não reconhecidos pela sociedade?
Primeiramente deve-se reconhecer que toda perda será sentida por quem perde, como a morte de bicho de estimação. Se voltarmos no que falamos anteriormente sobre a nossa necessidade de solucionar a tristeza, vemos em falas como ‘não fica assim não, depois você adota outro’ um luto não reconhecido em sua expressão máxima. O psicólogo Heitor Hirata propõe em seu livro ‘meu animalzinho morreu: ajudando crianças a lidar com a perda do seu bicho de estimação’ (2018) uma boa maneira de ajudar crianças e adultos a processar esse luto.
Outro luto que muitas vezes também é invalidado é a perda de um bebê antes do nascimento. Aqui vemos especialmente o luto de futuro presumido já que há o vínculo com a criança que não nasceu e com isso todas as expectativas que não vão se realizar. Como todo o luto, os não reconhecidos também demandam elaboração e se houver prolongamento no processo de luto (luto complicado) há necessidade de buscar ajuda profissional.
Escrever é uma boa forma de elaborar o luto. É importante dar significado à dor para que você reconheça e dê significado ao luto.
E as experiências transpessoais, como diálogos mediúnicos, podem suavizar o luto?
Em entrevista ao recente ao canal da editora Sinopsys, o psicólogo Heitor Hirata comentou que a espiritualidade é uma dimensão do ser humano que algumas pessoas escolhem não viver. Ele também pontuou que ela não tem necessariamente uma relação com religiosidade ou a crer em um deus, mas sim em coisas que transcendem e que vão além do físico. Tanto a espiritualidade quanto sua ausência devem ser respeitadas no contexto clínico. Se alguém tem experiências transpessoais e entende que isto ameniza o seu luto, isto deve ser acolhido.
Por um outro prisma, falar sobre a morte é também falar sobre a vida e de como queremos aproveitá-la. Pensar sobre a finitude da vida pode nos mostrar quem queremos ser durante nosso tempo de vida. Afinal, o que você gostaria que falassem sobre você quando não estivesse mais aqui? A resposta a esta pergunta pode revelar valores que lhe são caros e pelos quais vale a pena viver.
Por fim, não há receita de bolo para processar o luto, é preciso entrar em contato consigo e se permitir experimentar estratégias de enfrentamento. Por vezes o compartilhamento das experiências que se teve em conjunto com quem se foi pode gerar apoio mútuo e facilitar o processo de aceitação. Afinal, o falecimento de alguém do nosso convívio não mata as experiências que tivemos em sua presença.
Caso esteja muito difícil processar seu luto, procure ajuda psicológica profissional.
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Leituras Sugeridas:
Hirata, Heitor Pontes. (2018). Meu animalzinho morreu: ajudando crianças a lidar com a perda do seu bicho de estimação. Porto Alegre: Sinopsys
Silva, Maria das Dores Ferreira da, & Ferreira-Alves, José. (2012). O luto em adultos idosos: natureza do desafio individual e das variáveis contextuais em diferentes modelos. Psicologia: Reflexão e Crítica, 25(3), 588-595. https://doi.org/10.1590/S0102-79722012000300019
Viorst, Judith. (2005). Perdas Necessárias. São Paulo: Melhoramentos.
Guia para pessoas que perdem entes queridos em tempos de coronavirus (covid19) - https://seguraaonda.com.br/wp-content/uploads/2020/05/guia-vitimas-final.pdf
